Opinião

Alfeu de Melo Valença: Marrakech e a auto-suficiência

Por Redação

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

10 de janeiro de 1968. 21 de abril de 2006. Entre essas duas datas, 38 anos se passaram. As comunicações ganharam velocidade nunca antes imaginada. As distâncias diminuíram, o mundo ficou pequeno. Ficou tão pequeno que estando eu, naquela segunda data, em um restaurante qualquer, em Marrakech, no Marrocos, pude assistir, em tempo real, a uma reportagem da CNN acerca das comemorações da auto-suficiência brasileira em petróleo, com a presença do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na P-50.

Durante esses 38 anos muitas coisas mudaram. O muro caiu. Alguns regimes políticos desapareceram, outros se fortaleceram. Guerras começaram e terminaram. Os valores das diversas sociedades se modernizaram. Quase tudo mudou. Mas, felizmente, apenas quase tudo.

Vendo aquela reportagem, tive a consciência de que uma das coisas imutáveis entre a data da minha admissão na Petrobras e aquele dia de Tiradentes havia sido a busca da sonhada auto-suficiência. Aqueles longos anos, cheios de desafios, não foram capazes de arrefecer a vontade de todos aqueles que fizeram e fazem a atividade petrolífera brasileira, dentro ou fora da Petrobras, de tornar o nosso país auto-suficiente.

Como um vírus benéfico que se instalou na corrente sanguíneas de todos nós, a auto-suficiência sempre foi um alvo claramente definido e solidamente contaminado e transmitido entre as várias gerações. Certamente ela poderia ter sido comemorada antes, mas, como dizia Augusto Matraga, 'tudo tem a sua hora e a sua vez'. E a hora foi aquela. A vez foi aquela. Naqueles poucos minutos, sob forte emoção, revi todo o meu passado profissional e pude vislumbrar os rostos de muitos colegas e mestres que ficaram pelo caminho.

Nas minhas retinas passaram pessoas que criaram e fecundaram aquele sonho, mas que não tiveram a felicidade de viver aquele momento. Nitidamente, pude rever Raydivaldo Ribeiro, Carlos Walter, Aroldo Ramos, Adhemar de Queiroz, Fernando Almeida, Paulo Espínola, Décio Roscoe, Walter Diederich (quase uma criança) Lárcio Barros, Álvaro Rocha, João Newton, Edmar Campeão, Luigi Dallolio, Paulo Vasconcelos, Layser Garben, Ari Piantá, Silvio Boquimpani, Ivan Simões, Ivan Pessoa, Newton Figueiredo, Bergson Cajueiro, Ricardo Pate, Adalberto Gominho e Aurélio Bouzas. É óbvio que esta lista está bastante incompleta, não por falta de merecimento dos esquecidos, mas por culpa confessa da minha já avançada e reconhecida perda de neurônios. A idade justifica a falha.

Naquela mesa distante, após o noticiário, pedi champanhe para uma celebração solitária. Não resisti a emoção e algumas lágrimas caíram na taça. Jamais esquecerei o sabor adulterado daquele champanhe. Aquele sabor jamais se repetirá. Aquele foi o sabor de uma vitória única, que a história não verá outra vez. Sabor amargo provocado por uma lágrima da mais pura inveja por não estar na P-50, mas que foi inócua e incapaz de ofuscar o adocicado provocado por todas as outras lágrimas de vaidade, de orgulho e de felicidade por ter contribuído para aquele instante e por estar sentindo-o.

Alfeu de Melo Valença é fundador e presidente da Conpet - Consultoria e Engenharia de Petróleo e foi presidente da Petrobras entre abril e agosto de 1991

Outros Artigos