Opinião

A auto-suficiência de petróleo: uma outra abordagem

Por Redação

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Em abril, a Petrobras terá anunciado a auto-suficiência brasileira de petróleo, com a entrada em produção da plataforma P-50. Isso significa que a quantidade produzida de óleo bruto terá igualado as necessidades de refino. Esse é um marco que merece, sem dúvida, comemoração, sobretudo quando se recorda que, até o início dos anos 1950, diversos especialistas afirmavam que o Brasil não possuía petróleo em quantidade suficiente para justificar sua exploração.

De fato, como se nota no gráfico a seguir, desde meados de 2005, a produção doméstica se aproxima do refino e as exportações começam a alcançar as importações. Entretanto, é preciso compreender o real significado dessa auto-suficiência. Em primeiro lugar, como o óleo brasileiro, na média, é mais pesado do que o exigido pelas refinarias nacionais, continuará sendo necessário importar petróleo mais leve e exportar o excedente. A diferença de qualidade entre os dois é tão grande que os preços do óleo importado pelo Brasil, em 2005, na média, foram 45% superiores aos do exportado.

Em segundo lugar, e em conseqüência do argumento anterior, a auto-suficiência em quantidade não significará equilíbrio entre o valor das exportações e o das importações. Em 2005, enquanto as importações alcançaram US$ 7,7 bilhões - ou 137 milhões de barris equivalentes de petróleo (bep) -, as exportações foram de apenas US$ 4,2 bilhões - ou 105 milhões de bep. Uma diferença de US$ 3,5 bilhões. Em 2006, se admitirmos que o volume importado será igual ao observado em 2005 e também ao exportado, mantendo-se os preços prevalecentes em janeiro, bem como a diferença de 45% entre os preços de importação e de exportação, ainda haveria um déficit comercial de US$ 1,1 bilhão.

Em terceiro lugar, é necessário considerar que a auto-suficiência nada mais é do que a situação num momento do tempo. Entre 2001 e 2005, enquanto a produção cresceu a um ritmo anual médio de 5,9%, o refino aumentou a apenas 1,4%. Esse aumento da produção reflete o forte aumento das reservas provadas de petróleo, que passaram de 5,4 bilhões de barris em 1994 para 10,6 bilhões em 2003. É quase certo que, nos próximos anos, a produção continue a crescer a um ritmo superior ao do refino. De acordo com a Petrobras, seus investimentos, até 2010, irão ultrapassar US$ 50 bilhões, projetando um crescimento anual da produção de quase 6%. Não se pode esquecer, contudo, que o petróleo é um combustível não-renovável e que, em algum momento, a produção começará a declinar.

Mas, afinal, qual a importância da auto-suficiência de petróleo? O aumento da produção, sem dúvida, é um objetivo relevante. No entanto, o que interessa ao consumidor é obter os derivados pelo menor preço possível. A principal vantagem de o país ter oferta compatível com a demanda é justamente esta.

Como os preços internacionais estão num nível muito superior ao custo doméstico de exploração de petróleo (ainda que a Petrobras não divulgue o preço interno), essa diferença representa elevadas margens de lucro para a estatal que, dessa forma, pode continuar investindo maciçamente e ainda pagar altos dividendos para os acionistas, inclusive o Tesouro. Como o mercado de petróleo e derivados é aberto, os preços domésticos dos derivados devem acompanhar os preços internacionais. Entretanto, caso os preços internacionais aumentem de maneira intensa e abrupta, havendo auto-suficiência, é possível aguardar algum tempo antes de equiparar os preços domésticos aos internacionais, o que atenua os impactos negativos sobre a inflação e o nível de atividade.

O cenário para os próximos anos indica que o mercado mundial deverá manter um frágil equilíbrio entre oferta e demanda. De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), a demanda de petróleo bruto deverá atingir 85,1 milhões de barris/dia (mbd) em 2006, ao passo que a oferta não-Opep atingirá 51,4 mbd. Dessa forma, a necessidade de fornecimento da Opep aumentará levemente de 33,2 mbd em 2005 para 33,7 mbd em 2006. Mas, segundo o Departamento de Energia dos EUA, em 2015, a demanda mundial chegará a 103,2 mbd (cenário de referência) e, em 2025, a 119,2 mbd. A produção mundial, por sua vez, deverá atingir 105,4 mbd em 2015 e 122,2 mbd em 2025. Isso significa que a folga deverá permanecer bastante reduzida, mantendo a pressão sobre os preços. Além disso, a participação dos países da Opep na oferta total deverá passar de cerca de 39%, atualmente, para 43% em 2025. Isso significa que, enquanto a produção dos países fora da Opep aumentaria a um ritmo de cerca de 1% ao ano, a da Opep teria de crescer a 2,2% ao ano nos próximos 20 anos.

Ainda que esse cenário seja factível, é possível projetar uma forte elevação dos preços do petróleo e derivados a partir de um futuro não muito distante. É claro que, isso ocorrendo, haveria alterações na matriz energética e a viabilização de outras fontes de energia. Ainda assim, a existência de uma oferta doméstica capaz de atender à demanda é um seguro, mesmo que não permanente, contra essa eventualidade.

Marcelo José Braga Nonnenberg é economista do Grupo de Acompanhamento Conjuntural do Ipea

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