Opinião

A coluna bimestral de Wagner Freire

Mercado não competitivo precisa de regulação do governo

Por Redação

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O preço dos derivados de petróleo no Brasil sempre foi objeto de controle do governo. Talvez a regulação mais detalhada sobre o assunto tenha sido a Lei 4.452, de 5 de novembro de 1964, com encargos conferidos ao Conselho Nacional do Petróleo (CNP) para fixar o preço de venda. Na época, o país tinha consumo aparente de 334 mil b/d de derivados, produzia apenas 91 mil b/d de petróleo e dispunha de um par-que de refino com capacidade instalada de 306 mil b/d, 80% deles ao en-cargo da Petrobras. A “distribuição” era praticamente o único segmento aberto às companhias privadas estrangeiras. O preço de venda dos derivados era fixado pelo CNP levando em conta o preço CIF do óleo importado, que, por excelência, atrelava a venda a preços de mercado, custos do refino detalhadamente informado pela refinarias (levando em conta investimentos), custos de transporte para manter os preços uniformes em todo o território nacional (uma peculiaridade brasileira) e imposto único sobre os combustíveis. Os valores eram reajustados a cada três a seis meses. Naturalmente, a preocupação do governo, num mercado bem mais competitivo do que este com que nos defrontamos hoje, era proteger os consumidores e ao mesmo tempo garantir a refinadores e distribuidores o ressarcimento de seus custos e a segurança de seus investimentos. Nos anos que se seguiram, o mercado evoluiu bastante em termos de consumo, e a presença da Petrobras no mercado se consolidou.

Uma das mudanças significativas foi a extinção do CNP em 1990 e a criação do Departamento Nacional de Combustíveis (DNC), vinculado ao MME, que de algum modo assumiu seus encargos. O DNC procurou expandir a privatização do mercado com enfoque em distribuição, introduzindo novos players, embora com certas distorções. Entretanto, os preços dos principais derivados continuaram a ter controle estrito do governo.

A grande reforma se deu mesmo com a Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997, a Lei do Petróleo, que criou a Agência Nacional do Petróleo (ANP) – agora também do “Gás Natural e Biocombustíveis” –, com a atribuição, entre outras, de garantir “a proteção dos interesses dos consumidores quanto a preços, qualidade e oferta dos produtos”. A lei estabeleceu critérios a se-rem obedecidos num “período de transição” de no máximo 36 meses, que se encerraria em 6 de agosto de 2000 (posteriormente adiado para 31 de dezembro de 2001), para reajuste e revisão dos preços dos derivados a serem praticados no país, após o que os preços seriam liberados.

Na fase de regulamentação da lei, a Portaria MF/MME nº 3, de 27 de julho de 1998, definiu os critérios para a comercialização de derivados, em particular os preços de realização da Petrobras, que ficaram vinculados aos preços praticados na Costa do Golfo Americano, a serem reajustados mensalmente com base na cotação cambial. Além disso, foi criada a Parcela de Preço Específica (PPE), sobreposta aos preços da Petrobras, destinada a assegurar o ressarcimento de despesas já objeto do art.13 da Lei 4.452, promulgada 34 anos antes! A mesma portaria liberou os preços do óleo bruto, objeto posterior-mente do Decreto 2.705, de 3 de agosto de 1998, que regulou o preço das participações governamentais e originou a Portaria nº 155, de 21 de outubro de 1998, que, basicamente, atrelou os preços do óleo produzido no país ao Brent Dated, com prêmios e descontos pertinentes, relativos à qualidade.

O fim do prazo de vigência da Portaria MF/MME e a ausência de um mercado competitivo fizeram com que o preço dos derivados, fortemente de-pendente do preço do óleo cru, passasse a obedecer a acertos entre Petrobras e governo. A PPE, usada como colchão entre os preços de realização da Petrobras e o mercado, de algum modo foi substituída pela Cide-Combustíveis, criada pela Lei 10.336, de 19 de dezembro de 2001. Rompeu-se, desse modo, o vínculo dos preços dos derivados a um mercado competitivo, mas não se rompeu o vínculo da matériaprima, o óleo cru, aos preços de mercado por conta dos royalties. Isso criou uma distorção sistêmica incontornável. Por outro lado, a falta de critério da Petrobras no reajuste de preços, associada à aplicação aleatória dos reajustes da Cide, trouxeram enorme instabilidade às receitas e aos investimentos da empresa e até mesmo prejudicaram seu cotejo com fontes energéticas alternativas, como se tem observado ao longo desses anos, com os preços de realização da Petrobras ora acima ora abaixo dos preços de mercado, por períodos relativamente longos, prejudicando ora os consumidores, ora a companhia.

Por isso, como não se vislumbra qualquer competição no mercado de derivados no Brasil, para maior proteção dos consumidores e dos preços de realização da Petrobras a melhor solução é
o retorno à antiga fórmula da ANP, com os preços de realização indexados à cotação do Golfo e à variação cambial.

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