Opinião

Donovan Lessa e Marcos Maia: Sobre o Repetro-Industrialização

Publicação da nova instrução normativa foi extremamente oportuna para o desenvolvimento do setor e, por conseguinte, para o país

Por João Montenegro da Silva Pereira Reis

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No último dia 19 de julho, os inúmeros personagens que integram a indústria do petróleo receberam com grande satisfação a notícia de que a Receita Federal do Brasil publicou a Instrução Normativa RFB nº 1.901, que regulamenta a aplicação do Repetro-Industrialização (regime especial de industrialização de bens destinados às atividades de exploração, de desenvolvimento e de produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos).

Muito embora os desdobramentos do Repetro-Industrialização só possam ser verdadeiramente dimensionados após algum tempo de prática, a sua regulamentação certamente terá ampla repercussão – não sem razão, já que o setor de óleo e gás movimenta bilhões de reais por ano.

De fato, alguns pontos dessa importante norma merecem ser destacados.

O Repetro é, desde sua origem, um regime aduaneiro que tem como objetivo desonerar – mediante a suspensão de todos os tributos federais – a importação de bens destinados às atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e de gás natural.

No entanto, a legislação do Repetro acabava por causar uma grave distorção concorrencial à indústria nacional: enquanto a importação era desonerada fiscalmente, a circulação interna sofria todos os gravames tributários.

Inicialmente, para resolver essa anomalia, criou-se a figura da “exportação ficta”. Nessa modalidade, é possível produzir o bem no país e exportá-lo na sequência sem que ocorra a sua saída do território aduaneiro. Ou seja, o bem é vendido para uma empresa no exterior, que o loca em seguida para uma empresa nacional, a qual operacionalizará o ingresso “ficto” do bem no país por uma das modalidades de importação previstas no regime do Repetro. E essa operação triangular tornou-se usual para circulação de mercadorias que, ao fim e ao cabo, envolviam diretamente apenas produtos nacionais.

Por conta disso, a Lei nº 13.586/17, que introduziu no ordenamento jurídico o Repetro-SPED, simplificou a legislação nesse ponto para desonerar as aquisições internas (nacionais) de bens destinados às atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e de gás natural: trata-se do regime denominado de Repetro-Industrialização, o qual pode ser dividido em três etapas:

1) A suspensão dos tributos federais em caso de aquisição direta no mercado interno do produto final por parte da empresa exploradora ou produtora de petróleo e gás natural (art. 6º, §8º, da Lei nº 13.586/17). Assim, caso o produto final nacional tenha como destinatário um estabelecimento brasileiro, não será mais necessária a utilização da figura da “exportação ficta” para que essa operação seja desonerada dos tributos federais, podendo ser realizada diretamente entre as partes nacionais;

2) A suspensão dos tributos federais na aquisição de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem por parte dos “fabricantes dos produtos finais” (art. 6º, caput, da Lei nº 13.586/17). Dessa maneira, pode o industrial nacional comprar aqui todos os insumos necessários à fabricação do equipamento que será destinado à empresa exploradora ou produtora de petróleo e gás com suspensão dos tributos federais;

3) A suspensão dos tributos federais em caso de aquisição de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem por parte desses “fabricantes intermediários” (ou seja, aqueles que industrializam bens que serão destinados aos fabricantes dos produtos finais, conforme art. 6º, §2º, da Lei nº 13.586/17).

Essas novas benesses fiscais – que compreendem o Repetro-Industrialização - já tinham sido parcialmente regulamentadas, em 28/10/18, pelo Decreto nº 9.537/18.

A completa operacionalização do regime, contudo, carecia ainda de normatização (conforme a própria Receita Federal vinha expressamente reconhecendo em seu sítio eletrônico), o que finalmente foi sanado com a publicação da Instrução Normativa RFB nº 1.901/19.

Como dito, a medida era há muito esperada, e a iminência de sua implementação vinha gerando grande expectativa, especialmente após o término da Consulta Pública RFB nº 01/2019. Nela, a Receita Federal, de forma bastante salutar, tornou pública a minuta do provável texto da Instrução Normativa regulamentadora do Repetro-Industrialização, abrindo aos interessados a oportunidade de contribuir com críticas e sugestões, no período compreendido entre os dias 3 e 10 de junho de 2019.

O texto disponibilizado pela Consulta Pública RFB nº 01/2019 já esclarecia algumas relevantes dúvidas procedimentais que pairavam sobre os interessados a respeito do tema, as quais, em grande medida, foram apenas confirmadas após a publicação da Instrução Normativa RFB nº 1.901/19.

A partir da análise da IN RFB nº 1.901/19, tem-se, por exemplo, a confirmação de que os beneficiários do Repetro-Industrialização – e obrigados a obter uma habilitação específica – são apenas dois: (i) os fabricantes dos produtos finais que são posteriormente vendidos às empresas exploradoras e produtoras de petróleo e gás; e (ii) os fabricantes intermediários, que vendem os insumos para os fabricantes citados no item anterior.

Além disso, a IN deixa claro que as empresas exploradoras e produtoras de petróleo e gás natural que adquirem bens no mercado nacional não precisarão de uma nova habilitação relativa ao Repetro-Industrialização, bastando-lhes a habilitação tradicional do Repetro-SPED, prevista na IN RFB nº 1.781/17.

Quanto à responsabilidade pelo pagamento dos tributos em caso de descumprimento do regime, a IN RFB nº 1.901/19 seguiu a lógica já esperada, que atribui a responsabilidade pelo recolhimento dos tributos suspensos ao membro da cadeia que deu origem ao descumprimento.

Ou seja, se o fabricante intermediário, por exemplo, vender insumos para o fabricante do produto final e esse, por sua vez, não industrializar os bens adquiridos ou fornecer o produto industrializado à empresa exploradora ou produtora de petróleo e gás, haverá o descumprimento do regime, de modo que os tributos que estavam suspensos deverão ser recolhidos por ele (fabricante do produto final), na condição de responsável, nos termos do art. 9, § 4º, da IN RFB nº 1.901/19.

Da mesma forma, se o fabricante do produto final vender um bem diretamente a uma empresa exploradora ou produtora de petróleo e gás, devidamente habilitada no Repetro-SPED, e esta última deixar de dar a devida destinação ao produto final, estará a partir de então obrigada a recolher os tributos não pagos na operação de aquisição, nos termos do art. 10, § 1º, da IN RFB nº 1.901/19.

Em linhas gerais, os principais aspectos da norma já tinham sido antecipados pela Consulta Pública RFB nº 01/2019. Nesse cenário, ainda que alguns pontos da Instrução Normativa sejam controversos e possam ser objeto de críticas, entendemos que a publicação da IN RFB nº 1.901/19 foi extremamente oportuna e positiva para o desenvolvimento do setor e, por conseguinte, para o país.

Donovan Mazza Lessa e Marcos Correia Piqueira Maia são advogados, sócios de Maneira Advogados.

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