Opinião

Euforia e ciclo na indústria de óleo e gás natural

Por Redação

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Luís Eduardo Duque Dutra

O ano de 2006 ainda não acabou, mas três trimestres bastam para marcá-lo como especial para o setor de óleo e gás. Os preços do barril de óleo bruto atingiram US$ 75 em julho. Nos últimos 60 dias, eles caíram mais de US$ 10, e ninguém pode assegurar qual será o preço do barril - ou do metro cúbico de gás natural - daqui a um mês. Em decorrência de oito anos de preços crescentes, os lucros das petroleiras bateram seguidos recordes históricos.

O ambiente é francamente favorável ao investimento, e as conquistas brasileiras recentes no setor não foram poucas. Provavelmente por isso, muitas vezes as análises da situação desconsideram aspectos básicos da estrutura da indústria, de sua história e de um futuro próximo pleno de incertezas. De início, vale sublinhar que, na disputa pelas rendas crescentes geradas pela produção de óleo, não são apenas as empresas que ganham.

De fato, são os Estados os principais beneficiados pela renda excedente, e, contrariamente ao senso comum, não são somente a Arábia Saudita ou a Rússia, o maior exportador de óleo bruto e o maior exportador de gás natural do mundo, respectivamente, que saem lucrando. Tanto em países exportadores quanto em importadores, os ingressos fiscais e parafiscais obtidos com o petróleo e seus derivados acompanharam o preço.

Historicamente, o recolhimento governamental é muito superior à apropriação privada, e importadores e exportadores dividem partes equivalentes. Segundo o professor J.M Chevalier, do excedente petrolífero, dois quintos são apropriados pelos países vendedores, dois quintos pelos compradores e apenas um quinto pelas empresas. Com o que recebem, as companhias pagam seus custos e remuneram o capital.

Após 1999, indiscutivelmente, o petróleo voltou ao topo da agenda política. Compará-lo a uma commodity, ao modo das décadas de 80 e 90, tornou-se, no mínimo, uma idiossincrasia. Além de procurar reduzir o impacto inflacionário resultante da multiplicação por seis dos preços nos últimos sete anos, a política energética dos grandes importadores - como os EUA, a União Européia (UE), o Japão e a China - foi revisada a fim de assegurar o abastecimento nacional.

No ambiente privado, a renovada busca por reservas resulta em demanda crescente por projetos e investimentos, razão para a presente euforia. Preços, faturamentos e lucros estão em alta e, neste cenário, o Brasil nunca esteve tão bem posicionado. O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) prevê US$ 100 bilhões de investimento em óleo e gás nos próximos cinco anos, três quartos dos quais feitos pela Petrobras e o restante pelas demais petroleiras. São US$ 20 bilhões por ano, que significam mais de um sexto da taxa de investimento líquido anual da economia.

Não existe carteira de projetos nem de perto comparável. Depois de perseguida por mais de cinco décadas, a auto-suficiência foi alcançada. Cogita-se que, em 2010, o Brasil possa ter uma exportação líquida de 300 mil a 400 mil b/d. A Petrobras produzirá 2,3 milhões de b/d, e as demais concessionárias, 300 mil b/d. Um volume bem superior ao consumo nacional previsto.

Oito anos após o fim do monopólio estatal, o setor sinaliza a continuidade do crescimento observado até aqui. A reforma setorial está consolidada e o país se apresenta, como nunca antes, atraente à atividade de exploração. Tornou-se uma das fronteiras com maior potencial de sucesso, e a seqüência anual de licitações de blocos exploratórios, com a participação de empresas das mais diversas origens, não faz mais que sublinhar o êxito da persistência da Petrobras e o sucesso da transformação do setor.

As recentes conquistas nacionais, contudo, e o ambiente de euforia na indústria não devem mascarar um fator em contradição com esse cenário francamente favorável: a incerteza sobre o comportamento do preço. A crescente volatilidade, a partir da década de 1990, tornou ainda mais arriscada qualquer projeção. Como na década de 1970, hoje muitas previsões apontam para preços acima de US$ 100 o barril, recorde histórico de 1981.

Atualmente, é impossível prever qual será o preço no próximo inverno no Hemisfério Norte, ou daqui a dois anos. Os repetidos fracassos das extrapolações de preço, mesmo quando apoiadas em esmerada estatística, aconselham que a prospecção econômica se faça a partir de uma revisão histórica e do estudo da organização industrial. Entre as poucas certezas que surgem dessa análise, sobressai a dinâmica cíclica da atividade.

Por ser extremamente cara e indivisível, a expansão dos ativos se faz em etapas bem marcadas. A maré ascendente do ciclo foi iniciada em 1999, com a reversão da tendência de baixa dos preços, que predominara nos 18 anos anteriores. Entre 1973 e 1983, por sua vez, os preços estiveram em alta, ao contrário do que acontecera nas décadas de 1950 e 1960. A natureza oligopolística da indústria contribui para tornar ainda mais instável um ambiente de negócios, onde as transações têm forte apelo geopolítico.

Há mais de um século, uma regularidade pôde ser identificada: aos diferentes períodos dominados por conluios, seguiram-se etapas marcadas pela concorrência acirrada, com a chegada de novas empresas, novas províncias petrolíferas e a atuação remediadora do Estado. Na atual situação, sem capacidade ociosa, seja na produção, seja no refino, qualquer incidente político no Oriente Médio, como a invasão do sul do Líbano por Israel, acidente industrial, como os vazamentos nos dutos da BP no Alasca, ou ainda uma catástrofe natural, como o furacão Katrina, em 2005, contribui para tornar mais volátil e imprevisível o comportamento dos preços.

A presente tensão no mercado e a crescente incerteza sobre o comportamento dos preços, contudo, não eliminam os condicionantes estruturais da indústria; ao contrário, corroboram a noção de que são tempos de bonança. A retomada dos investimentos, a capacidade de autofinanciamento e o progresso tecnológico em direção, por um lado, à perfuração ultraprofunda e, por outro, ao processamento de petróleo cada vez mais pesado, permitem antever uma fase de ampliação dos ativos e renovação das reservas. Para o gás, a liquefação promete por fim globalizar o seu comércio.

No entanto, a aposta de que inexoravelmente os preços tenderão à alta, a partir de agora, não se sustenta. A hipótese supõe a atenuação da dinâmica cíclica, que sempre caracterizou a indústria, razão pela qual pode ser vista com ceticismo. Ademais, teoricamente, ela invalida o 'lema de Hotelling', segundo o qual, na medida em que um recurso mineral se exaure, a elevação de seu preço assegurará a racionalização do uso e sua gradual substituição. Na indústria do petróleo, repete-se sempre: a Idade da Pedra não acabou por falta de pedra.

Em meio a uma fase de forte expansão, em um ambiente de negócios em ebulição permanente e tendo presente a volatilidade crescente dos preços, as empresas e os Estados disputam posições e estabelecem estratégias, numa corrida para colocar os alicerces que permitirão enfrentar períodos mais difíceis adiante. O Brasil nunca esteve tão bem preparado institucional, industrial e tecnologicamente para aproveitar a fase favorável e ingressar de forma definitiva, como um ator de peso, na geopolítica mundial da energia.

É impossível prever quando ocorrerá a reversão da atual maré ascendente e até onde irá a reversão da tendência. Cabe acrescentar que a conjuntura internacional dificilmente repetirá o desempenho dos últimos cinco anos. A situação macroeconômica está fortemente contaminada pela bolha imobiliária norte-americana, que dá sinais de esgotamento, pelos déficits gêmeos também dos EUA, que estariam mais perto do que nunca de seus limites, pelo aumento da taxa de juros, feito por todos os Banco Centrais dos países industrializados e pelo preço das commodities, que já reverteu sua tendência de alta.

Em suma, o momento para o país assumir uma posição privilegiada na indústria de hidrocarbonetos é agora. A oportunidade é única de entrar numa indústria secularmente lucrativa, da qual o crescimento econômico será diretamente tributário ainda por algumas décadas e que dispõe, hoje, de reservas prováveis equivalentes a quase um século de consumo.

Luís Eduardo Duque Dutra é professor adjunto da EQ/UFRJ e assessor da Diretoria Geral da ANP

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