Opinião

Gás para todos

Seja qual for a origem do energético, o essencial é que ele chegue ao destino final com o menor preço

Por Antonio Souza

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

O mês de maio foi rico em webinars sobre o gás natural (GN). Com base no que ouvi, faço as seguintes considerações:

Pré-sal

Quem acompanha o mercado de GN sabe da dificuldade de acesso às estruturas essenciais, isto é, os dutos de escoamento e unidades de processamento, as quais pertencem à Petrobras. A resolução n°16/2019 do CNPE e o TCC assinado pela Petrobras com o Cade tratam deste tema, e, espera-se que, em um futuro próximo, esse assunto seja resolvido, permitindo que outros produtores de GN possam ter acesso às infraestruturas e comercializar seu próprio GN.

Nesse caso, estamos falando de um GN que já está sendo produzido. Mas e quanto ao GN novo do pré-sal, que ainda vai ser explorado e produzido? A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) indica que, considerando-se os contratos de exploração já firmados e levando-se em conta a adição da capacidade do gasodudo Rota 3, ainda em construção, às capacidades da rotas 1 e 2, as rotas de escoamento de GN atingirão sua capacidade máxima de vazão por volta de 2026. Isso significa que novas linhas precisarão ser construídas com urgência para que estejam prontas quando se tornarem necessárias.

Consumo

Mas a construção de um gasoduto exige um alto investimento do produtor. Em estudo recente, o BNDES propõe a formação de um consórcio de produtores para a criação de um hub de escoamento de GN que possa ser compartilhado por todos – uma excelente ideia para reduzir o investimento de cada produtor. Entretanto, para fechar a equação da viabilidade do projeto de infraestrutura, falta um fator importante, que é a demanda pelo GN. mas existe essa demanda?

Pelos dados do MME, produzimos, em 2019, uma média de 122,43 milhões de m³/d de GN, dos quais 56,53 milhões de m³/d foram disponibilizados para comercialização. O restante foi reinjetado, queimado e consumido para produzir o petróleo e o GN. Não somos autossuficientes em GN, e, se juntarmos a importação média de 26,95 milhões de m³/d, chegamos a uma oferta total mensal de 83,48 milhões de m³/d.

Consumimos, no ano passado, média de 77,98 milhões de m³/d, sendo que 36,97 milhões de m³/d foram consumidos pela indústria, 29,04 milhões de m³/d foram destinados à geração elétrica, 6,26 milhões de m³/d, ao setor automotivo, 2,65 milhões de m³/d, à cogeração e os 3,06 milhões de m³/d restantes, ao consumo residencial, comercial e outras utilizações.

Cabe notar que o consumo da geração elétrica é bastante próximo do volume de gás importado. Não é uma coincidência, uma vez que os terminais de regaseificação de GNL suprem basicamente o mercado termoelétrico ao longo da malha integrada. Os novos projetos para a utilização de GN se ancoram também nesse modelo de negócios. A estratégia tem demonstrado sucesso, mas seria a geração elétrica suficiente para garantir uma demanda firme de GN a sustentar todos os investimentos necessários de infraestrutura onshore e offshore? Não parece ser o caso.

A utilização das termoelétricas na geração de energia no país é bastante flexível, diretamente relacionada à situação dos recursos hídricos disponíveis e do balanço das renováveis. Como exemplo, segundo dados do MME, em junho de 2019 a geração de energia consumiu 17,09 milhões de m³/d de GN. Já em novembro, o consumo foi de 43,23 milhões de m³/d, mais de 150% de variação de consumo no mesmo ano.

Alternativas

Parece clara, portanto, a necessidade de considerar outras alternativas na busca de uma demanda robusta e consistente. Observando-se nosso perfil de consumo, vemos que a indústria é o grande consumidor. A indústria química, fertilizantes, cerâmicas, aço e papel e celulose são os maiores consumidores. Porém, se olharmos os números dos últimos cinco anos anos, o consumo se manteve constante, com média de 40,38 milhões de m³/d. Mas há grande potencial de crescimento, se o gás chegar a um preço mais baixo.

Outro potencial candidato ao aumento da demanda é o setor automotivo, que, hoje, responde por somente 8% do consumo total de GN. Muito se discute sobre a utilização de GN como combustível para transportes pesados como ônibus e caminhões. Para manter essa frota, importamos grandes volumes de diesel, um combustível mais caro e poluente que o GN. Apesar do potencial, há um ponto sempre levantado, que é a falta de infraestrutura de abastecimento de gás natural para a frota, o que é uma realidade.

Para gerar uma demanda robusta de GN, é preciso avançar para o interior do país, mas isso esbarra na limitada malha de transporte brasileira. Diante disso, o GNL surge como uma excelente opção, partindo dos terminais de regaseificação, com logística baseada em cabotagem, com pequenas embarcações, e em terra, por caminhões e ferrovias, instalando pontos de abastecimento de GNL em postos de combustíveis ou bases de distribuição, tornando o combustível disponível para os setores de transporte, indústria, comercial e residencial. É o GNL em pequena escala, criando demanda consistente de forma gradual. Já há algumas iniciativas bem consistentes se materializando no país.

E ainda temos o biogás, cujo potencial é enorme e pouco explorado. Com uma infraestrutura de GNL espalhada pelo país, o biogás na especificação correta pode ser facilmente incluído no mercado.

Entendo que a existência de demanda robusta e consistente permitirá novos modelos de negócios e investimentos em infraestrutura para o GN. Mas é preciso pensar no GN como uma commodity, de modo que não importa que gás vamos considerar e de onde ele virá – se do exterior, do onshore ou offshore. O essencial é que ele seja o gás mais barato possível no seu destino final, trazendo desenvolvimento sustentável a todos.

Graduado em engenharia naval pela UFRJ, Antônio Souza é executivo com mais de 30 anos de experiência no mercado de O&G. No momento, atua como consultor independente para os segmentos de up, mid e downstream

Outros Artigos