Opinião

Monitoramento ambiental a bordo de navios sísmicos

A preocupação com o potencial impacto ambiental do ruído emitido pelas atividades sísmicas é crescente

Por Claudia Erber

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A atividade de pesquisa sísmica é um método geofísico utilizado pela indústria do petróleo com o objetivo de mapear áreas de interesse exploratório. Nos levantamentos marítimos, a técnica mais usual consiste na utilização de uma embarcação sísmica que reboca fontes sonoras — arranjos de canhões de ar comprimido que emitem pulsos intervalados (10 – 15 seg.) de alta intensidade. As ondas sonoras se propagam pela coluna d’água até atingirem o subsolo, onde interagem com as diferentes camadas geológicas. Os ecos refletidos são então captados por arranjos de hidrofones dispostos em longos cabos (“streamers”) também rebocados pela embarcação sísmica. A informação sonora registrada, por sua vez, é processada de modo a gerar uma imagem da subsuperfície do solo oceânico, orientando o planejamento de etapas futuras, como a perfuração de poços para exploração e produção de óleo e gás, bem como o monitoramento da evolução dos reservatórios.

No cenário global, as pesquisas sísmicas estão ranqueadas dentre as atividades humanas responsáveis pelo maior aporte de ruídos no ambiente marinho, demandando atenção das agências reguladoras dos países produtores de petróleo. O gerenciamento da poluição acústica no mar é um assunto de primeira ordem no debate regulatório e científico, dado o potencial de impactos agudos ou crônicos sobre os diferentes grupos de organismos marinhos. Apesar de persistirem lacunas no conhecimento sobre a real significância dos impactos da sísmica na biota aquática, há também uma grande produção científica de revisão e análise de seus efeitos deletérios em diversos grupos, inclusive dos mamíferos marinhos. Este conhecimento é fundamental, pois os cetáceos são considerados como bioindicadores do ambiente marinho, por se tratarem de organismos de topo na cadeia alimentar

Baleia Jubarte (Megaptera novaeangliae)

Baleia Jubarte (Megaptera novaeangliae)

Cada projeto de atividade sísmica passa por uma avaliação de conformidade com as políticas relevantes, locais e nacionais, para garantir que todas as diretrizes legais sejam introduzidas com o uso de evidências científicas e socioeconômicas comprovadas. Portanto, as empresas sísmicas devem trabalhar de acordo com as estruturas e medidas de mitigação prescritas por órgãos reguladores como o IBAMA, US Minerals Management Service (MMS), o Comitê Conjunto de Conservação da Natureza do Reino Unido (JNCC), o Departamento de Meio Ambiente do Governo Australiano e Heritage, e o Canadá-Nova Scotia Offshore Petroleum Board.

O monitoramento visual e acústico de mamíferos marinhos a bordo dos navios sísmicos é uma condicionante da atividade sísmica marinha, e visa gerar informações sobre possíveis interações e distúrbios comportamentais, distribuição espaço/temporal de cetáceos na área de atividade sísmica e fornecer subsídios complementares para os processos seguintes das fases de exploração e produção.

Dessa forma, as empresas sísmicas foram desafiadas a minimizar o impacto da atividade, com novas soluções e tecnologias para aquisição e processamento de dados, e desenvolver monitoramentos ambientais a bordo dos navios.

Monitoramento ambiental

Os Observadores de Mamíferos Marinhos (MMOs) e operadores de Monitoramento Acústico Passivo (PAM) trabalham a bordo dos navios sísmicos para garantir a execução das ações que minimizam o impacto da atividade sobre os mamíferos marinhos. Em geral, todas as diretrizes legais adotam uma zona de mitigação de 500 metros ao redor das fontes sonoras sísmicas. Se algum mamífero marinho for avistado dentro desta zona de mitigação, o MMO / PAM solicita o atraso do início da aquisição sísmica antes de começar a coleta de dados geofísicos e, em algumas águas (regiões), os MMOs/PAM podem até mesmo interromper as operações sísmicas até que os animais se afastem do navio. Tais ações de mitigação são executadas durante todos os projetos de atividade sísmica marinha em todo mundo.

O monitoramento visual, é comprometido com as condições visuais como neblina, chuva ou mesmo em condições de mar agitado e não ocorre no período noturno. Dessa forma, o monitoramento acústico passivo é importante para que o ambiente seja monitorado em condições de baixa visibilidade e á noite. Adicionalmente, algumas espécies ficam mais tempo submersas do que na superfície (e.g. cachalotes machos, por exemplo, podem passar 80% de seu tempo submersos) e somente são registradas acusticamente. Os resultados de ambos monitoramentos podem subsidiar pesquisas mais amplas e robustas e, contribuir melhor para o alcance das metas internacionais e a elaboração de estratégias de conservação, como o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 (Conservar e usar de forma sustentável os oceanos, mares e recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável), estabelecido pela ONU.

Para manter o bom padrão de monitoramento acústico e visual, os profissionais devem ser treinados para identificar as espécies de mamíferos marinhos, para medir as zonas de mitigação e para manter um banco de dados único das avistagens e detecções acústicas. Esses profissionais precisam também possuir certificações técnicas para o trabalho offshore e equipamentos adequados para a execução das ações de mitigação (como, por exemplo, binóculos reticulados e câmeras fotográficas).

Mulher, bióloga e embarcada

As empresas de atividade sísmica promovem o ingresso de muitos biólogos, oceanógrafos, engenheiros de pesca e técnicos ambientais na indústria do petróleo. Essa é uma oportunidade de motivar a nova geração a trabalhar com conservação ambiental, conhecer as espécies marinhas em ambiente natural e atuar com responsabilidade para a consolidação da Década do Oceano das Nações Unidas, que se iniciou em 2021. O futuro da saúde dos oceanos está relacionado a integração da conservação marinha com a indústria do petróleo. As empresas sísmicas acreditam no aumento da demanda de longo prazo por dados geofísicos para apoiar o posicionamento ideal de vastos campos de turbinas eólicas offshore, para descobrir minerais marinhos (cobre, cobalto, manganês, níquel), e para apoiar a transição para um mundo de baixo carbono. O monitoramento ambiental, portanto, é o elementos-chave de execução de estratégia estruturada em torno da proteção ambiental durante atividades que exploram os recursos naturais marinhos.

No meu caso, desenvolvo projetos ambientais em navios sísmicos há cerca de 20 anos. Atuo como técnica ambiental e observadora de cetáceos desde 1996, e sou completamente apaixonada por esses animais e seu habitat desde criança. Além de procurar borrifos no mar, amo navegar, mergulhar e nadar. Sinto-me privilegiada em trabalhar como MMO/PAM e garantir que os projetos de atividade sísmica marinha tenham o menor impacto possível sobre as espécies protegidas. Além das informações resultantes das avistagens e detecções acústicas, acredito que a presença de biólogos e técnicos ambientais a bordo dos navios, sensibiliza os trabalhadores embarcados sobre a importância de preservar o meio ambiente. Diariamente, conversamos sobre as espécies que registramos, dividimos fotos e conhecimentos sobre a biologia marinha, desenvolvendo a educação ambiental a bordo.

É importante lembrar também, que sou mulher, e quando comecei a trabalhar em navios e estruturas offshore, muitas vezes eu era a única mulher embarcada, ou o gênero feminino representava menos de 5% da tripulação embarcada. Foram muitos desafios para ser respeitada como ambientalista e como mulher no ambiente offshore. Considerando todos os lugares que já trabalhei, noto que o número de mulheres assumindo posição de destaque no ambiente offshore tem crescido notavelmente, felizmente. As empresas estão incluindo a igualdade de gêneros como parte de ações e de planos estratégicos para garantir o ODS 5 (Igualdade de gênero), definido pela ONU. No entanto, ainda assim, a indústria de petróleo é um dos segmentos da sociedade com menos participação feminina.

Claudia Erber fazendo o PAM

Claudia Erber fazendo o PAM

Como bióloga e mulher, espero que este texto possa ser mais uma fonte de inspiração para que valorizemos a atuação dos profissionais do meio ambiente na indústria do petróleo, e lembrarmos que conservação ambiental, desenvolvimento econômico e a justiça social podem e devem caminhar juntas.

Claudia Erber é bióloga marinha, possui MBA em Negócios Ambientais e é mestre em bioacústica de cetáceos. Já trabalhou como coordenadora de projetos ambientais e como MMO/PAM. Estudou o tucuxi (Sotalia fluviatilis) e encontrou dialetos entre populações distintas da Baía de Guanabara e Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro.

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