Opinião

Os acionistas das distribuidoras de eletricidade têm lucros excessivos?

A coluna bimestral de Jerson Kelman

Por Redação

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O Gesel (1) (Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ) respondeu positivamente ao calcular o retorno médio do setor de distribuição em estratosféricos 28,8%. Entretanto, entendo que este valor não representa a real rentabilidade do segmento devido a três razões.

Primeiro: a análise é feita para apenas um ano (2009). Trata-se de uma simplificação perigosa para analisar o retorno de um setor caracterizado por investimentos de grande porte, cujos contratos de concessão duram 30 anos. Em outras palavras, é preciso assistir a todo o filme, não apenas observar uma foto instantânea. Até porque o instantâneo pode capturar aleatoriamente um bom ou um mau momento. Por exemplo, algum evento não recorrente.

Segundo: a amostra de empresas utilizada no estudo não é representativa. Foram escolhidas nove empresas relativamente eficientes (eficiência média de 77%), entre as 63 concessionárias do país (eficiência média de 61%). Obviamente, é de se esperar que as empresas mais eficientes premiem seus acionistas com retornos acima da média do setor – embora bem inferiores a esses estratosféricos 28,8%.

Terceiro, e mais importante: os autores calcularam o retorno médio pela relação entre lucro líquido e patrimônio líquido (LL/PL). Trata-se de um indicador razoável da rentabilidade para muitos setores empresariais, mas não para empresas cujos ativos têm vida útil medida em décadas. Ao longo de tão extenso período, os registros contábeis perdem significado econômico, por conta do acúmulo do efeito inflacionário, e o patrimônio líquido termina não refletindo o capital investido pelos acionistas na empresa, assim como a depreciação contábil tampouco reflete a depreciação econômica dos bens.

Para superar essas limitações, em primeiro lugar, é preferível utilizar, no lugar do patrimônio líquido, os investimentos realizados pelo acionista (equity), obtidos pelo valor dos ativos subtraído da dívida destinada ao seu financiamento. Para calcular o valor dos ativos, basta somar a Base de Remuneração Regulatória (BRR), que representa o valor dos ativos elétricos das redes de distribuição (postes, transformadores, capacitores, cabos, etc.), a Base de Anuidades Regulatória (BAR), que representa o valor dos ativos não elétricos das distribuidoras (tecnologia de informação, veículos e imóveis administrativos), e o capital de giro, todos calculados pela Aneel. No caso da dívida, para garantir a utilização apenas da parcela que financiou os investimentos nos ativos da empresa, recomenda-se considerar o passivo oneroso, abatido das disponibilidades em caixa e do déficit previdenciário.

Em segundo lugar, é preciso considerar a diferença entre a depreciação contábil e a econômica. Conforme estabelece a boa prática das Finanças Corporativas, o retorno aos acionistas, ou ROE (Return On Equity), só pode ser calculado através da divisão do lucro líquido pelo equity se a depreciação contábil representar adequadamente a depreciação econômica dos ativos. Caso contrário, o lucro líquido deve ser subtraído da diferença entre estas duas grandezas. A depreciação econômica dos ativos pode ser obtida através dos valores da BRR e da BAR.

Com isso, em vez de dividir o lucro líquido pelo patrimônio líquido, é mais razoável calcular o ROE da seguinte forma:

ROE = (LL + DC – DE) / (BRR + BAR + CG – D)

Onde:
LL = Lucro líquido
DC = Depreciação contábil dos ativos
DE = Depreciação econômica dos ativos
BRR = Base de Remuneração Regulatória
BAR = Base de Anuidades Regulatória
CG = Capital de giro
D = Dívida destinada ao financiamento dos ativos da concessionária

Fazendo-se os cálculos para o mesmo caso analisado pelo Gesel, chega-se a um valor próximo a 15%. Não estou aqui afirmando que este é o retorno real dos acionistas das distribuidoras, que se compararia com o retorno regulatório de 13,8%. Até porque, se o fizesse, estaria sujeito às críticas inicialmente enunciadas (foto, em vez de filme, e amostra não significativa). Pretendi apenas demonstrar que o tema é complexo.

Embora discorde da conclusão do estudo do Gesel, entendo que os autores têm o mérito de retirar a discussão da obscuridade dos “achismos” para a claridade das análises quantitativas. Ainda que a metodologia por eles utilizada não me pareça adequada.

(1) “Texto de Discussão nº 34 – O Desempenho financeiro das concessionárias de distribuição de energia elétrica e o processo de revisão tarifária periódica”.

A coluna de Jerson Kelman é publicada a cada dois meses

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