Opinião

Por uma articulação estratégica de políticas públicas no subsea

A indústria subsea no Brasil é reconhecida pela constante superação de desafios na fronteira tecnológica mundial da exploração e produção em águas ultraprofundas. Nesse sentido, o país é um dos principais destinos de investimentos e contratos de fornecimento de equipamentos e serviços nesse segmento

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A falta de convergência entre as políticas públicas, entretanto, expõe as fragilidades do sistema produtivo submarino (SPS). A política de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) acabou por concentrar recursos nas próprias petroleiras e nas instituições de pesquisa; já política de Conteúdo Local (CL) acaba por ser punitiva e não estimula o desenvolvimento de bens e serviços de maior valor agregado no país; a política de compras das estatais, por sua vez, restringe o processo de inovação e a entrada de pequenas empresas no mercado.

É necessário ultrapassar, portanto, essas limitações para que o SPS possa se beneficiar dos efeitos positivos dos investimentos e do emprego de inovações tecnológicas. A construção de uma estratégia de políticas públicas deve direcionar a utilização racional de recursos e de ações efetivas de forma coordenada.

Uma abordagem interessante para a indústria petrolífera, destacada recentemente por Telmo Ghiorzi, são as chamadas Políticas Orientadas por Missões (POM) sugeridas pelos economistas Mariana Mazzucato (Universidade de Sussex) e Caetano Penna (Universidade de Sussex e UFRJ) em trabalho para subsidiar a elaboração da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (2016-2020) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

As POM consistem no desenvolvimento de políticas com uma visão orientada de mobilização de agentes. Algumas características marcantes são a consideração da trajetória de inovação, o estabelecimento de metas orientadas por diagnósticos dos pontos fortes e fracos, o estímulo de novas relações, e a necessidade de se assumir riscos diante da incerteza de investimentos em inovação.

Aplicar esse referencial na realidade atual do SPS implica na promoção de quatro pontos: (1) cooperação, (2) direcionamento estratégico, (3) financiamento e (4) contratação.

(1) A interação de competências tecnológicas, recursos humanos e infraestruturas gera uma dinâmica de combinação de oportunidades de negócios e projetos. Ações que sinalizem a trajetória tecnológica das operadoras e a identificação contínua de elos fortes e fracos da cadeia produtiva seriam importantes. Exemplos seriam a disponibilização de calendário e organização de fóruns e comitês, a reativação do Prominp e a formação de grupos de tomada de decisões e agilização nos projetos da cláusula de PD&I;

(2) O SPS tem especificidades e desafios variados. As atividades que tem mostrado maior potencial tecnológico são as relacionadas à digitalização, aos novos materiais e ao gerenciamento da integridade da produção. Entretanto, lacunas no fornecimento nacional são verificadas especialmente na parte de eletrônica, veículos submarinos, termoplásticos e geotecnia.

Um conjunto de ações estratégicas reduziriam essas fragilidades: o desenvolvimento de planos por sistema produtivo no CL, a instituição do Pedefor, a criação de metas e incentivos para o desenvolvimento de projetos em tecnologias disruptivas e subsea factory, e a criação de um programa de direcionamento de esforços no subsea com o alinhamento de objetivos e metas tendo em conta as políticas públicas existentes.

(3) Para além do esforço financeiro empresarial, o Estado tem o papel de assumir riscos de empreendedorismo de forma racional e direcionada. A superação de lacunas de fornecimento e o desenvolvimento de empresas brasileiras passa por esse aspecto. Por isso, é importante o financiamento através dos principais órgãos de fomento em empresas entrantes e projetos com estágios avançados de desenvolvimento de tecnologias e produtos. Além disso, a permissão de recursos da cláusula de PD&I em áreas transversais com potencial de aplicação na indústria petrolífera poderia ampliar as interações com outras indústrias e os recursos para pequenas empresas nacionais diversificarem seu portfólio.

(4) O processo de inovação é concluído com sucesso quando o seu uso é efetivado pela contratação. Qualquer restrição para a inserção de tecnologias aplicáveis e vantajosas economicamente acaba sendo negativo ao desenvolvimento do SPS. Apesar da sensibilidade do assunto quanto ao uso adequado dos recursos da Petrobras, a empresa com maior participação de mercado e forte capacidade tecnológica, deve buscar saídas para contornar essa situação.

Algumas opções seriam, por exemplo, a aproximação da operadora com fornecedoras de produtos mais susceptíveis a mudanças técnicas para identificar diferenciações de produtos relevantes para os objetivos da empresa; e a instituição de Sociedade de Propósito Específico (SPE) em projetos piloto com empresas e instituições de pesquisa.

A construção e monitoramento de políticas públicas orientadas por missão são virtuosas quando há coordenação e avaliações contínuas. Desta forma, ações neste sentido podem transformar o subsea brasileiro em um núcleo dinâmico capaz de transbordar oportunidades e tecnologias para variadas indústrias e serviços.

Manuel Victor Martins de Matos é economista. É mestre em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas pela UFRRJ e Doutor em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pelo Instituto de Economia da UFRJ

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