Opinião

Recursos humanos para o setor petróleo: desafios e perspectivas

Por Redação

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Saul B. Suslick e Sergio Iatchuk

O processo de melhoria da qualidade de vida das populações deverá pressionar a demanda mundial por energia neste século. Os cenários atuais indicam que os combustíveis fósseis manterão um papel preponderante na matriz energética. Para que a sociedade moderna atinja seus objetivos na transição da atual matriz para outra, equilibrada e sustentada, será necessário que a indústria do petróleo garanta ao mercado um suprimento confiável de óleo e seus derivados.

A história revela que o Brasil vem investindo pesadamente, desde a década de 70, através da Petrobras, em capacitação e inovação tecnológica e na formação de recursos humanos, tornando-se líder mundial na produção em águas profundas e atingindo, ainda recentemente, a auto-suficiência na produção de petróleo. Mas grandes desafios deverão ser enfrentados, desde a manutenção da auto-suficiência na produção de óleo, passando pelo aumento na produção de gás natural, bem como o atendimento à crescente demanda de petróleo e as dificuldades impostas por cenários de águas ultraprofundas, com reservatórios complexos em grandes profundidades e petróleos com características nem sempre favoráveis.

Os principais passos já foram dados. A abertura do setor petróleo atraiu para o país uma dezena de grandes operadoras internacionais e estimulou a formação de cerca de duas dezenas de empresas nacionais. Atualmente, cerca de 650 blocos exploratórios encontram-se sob concessão, e quase metade desse total deverá ser operado por estas companhias. Somam-se a isso os aumentos significativos dos investimentos da Petrobras nos últimos anos, o programa da ANP de estímulo ao aproveitamento de campos marginais e o empenho governamental para aumentar o conteúdo nacional de forma competitiva e sustentável na implantação de projetos de óleo e gás.

Do ponto de vista da qualificação de mão-de-obra, dois marcos devem ser considerados: a criação do CTPetro, em 1999, o primeiro fundo setorial do setor petróleo, a partir do qual a ANP implantou o bem-sucedido Programa de Recursos Humanos (PRH-ANP); e a criação, em 2003, do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp), que tem como um de seus desafios o diagnóstico das demandas e a qualificação da mão-de-obra para atender às necessidades da indústria do petróleo.

Demanda do mercado de petróleo e gás natural O setor petróleo, por suas especificidades, sua enorme importância para o mundo moderno e sua permanente expansão, constitui-se num dos grandes empregadores de mão-de-obra especializada do planeta. Esta indústria compõe-se de uma cadeia de diferentes atividades - exploração, desenvolvimento, produção, refino, transporte, distribuição e petroquímica.

Associadas à atividade-fim, existem empresas de prestação de serviço, fabricação e fornecimento de materiais, equipamentos, montagens, consultorias, atividades de apoio, instituições de pesquisa etc. Para cada emprego direto criado na indústria do petróleo, criam-se, em média, cinco empregos indiretos nos demais segmentos (UKOOA, 2006).

Derivam daí centenas de diferentes especialidades de nível básico, técnico e superior, tornando altamente complexa a análise da demanda e das tendências deste mercado de trabalho. Suas perspectivas dependem de variados fatores, sendo altamente influenciadas pelo comportamento da demanda mundial por energia. No Brasil, observa-se uma tendência de crescimento na contribuição do setor petróleo ao PIB e, conseqüentemente, na geração de empregos, motivada pela evolução do preço e dos aumentos da produção de óleo e gás, bem como pelas modificações introduzidas pela Lei do Petróleo (participações governamentais) e de demais mecanismos de estímulo.

Em 2000, o setor petróleo representou, em termos relativos, aproximadamente 5% do PIB nacional (Machado, 2002), enquanto a arrecadação dos royalties sobre a produção de 1997 a 2005 totaliza R$ 24,5 bilhões (ANP 2006). No primeiro semestre deste ano, a Petrobras recolheu cerca de R$ 36 bilhões, sob a forma de impostos e contribuições (R$ 25 bilhões), royalties (R$ 7,9 bilhões) e dividendos (R$ 2,3 bilhões). Esses indicadores projetam um cenário bastante otimista para os próximos anos que irá provocar impactos significativos na demanda por mão-de-obra qualificada.

Modelo brasileiro: programas de recursos humanos

No caso brasileiro, pode-se perceber que a formação de recursos humanos, associada à inovação tecnológica, são elementos essenciais para viabilizar o suprimento de óleo e gás natural para as próximas décadas. Os resultados são bastante perceptíveis quando se vislumbra o modelo instalado após a Lei do Petróleo. Em 1999, a ANP criou o PRH com o objetivo de estimular a complementação curricular de cursos universitários tradicionais e de educação profissional de nível médio com disciplinas extras de especialização no setor de óleo e gás. O PRH possui um perfil diferenciado, pois possibilita às instituições oferecerem especializações em áreas estratégicas e imprescindíveis para atender à demanda, bem como incrementar as especializações atualmente existentes.

O programa atende às necessidades de profissionais de nível superior (PRH-ANP/MCT) - incluindo graduação e pós-graduação stricto sensu -, bem como de nível técnico (PRH-ANP/MEC-Técnico). Este último contempla as escolas técnicas (Cefet) próximas às regiões produtoras e o CTGás-RN. Desde 1999, foram concedidas perto de 4 mil bolsas, com investimentos de R$ 118 milhões no período 1999-2006.

Os resultados deste programa são bastante expressivos, pois o índice de aproveitamento do capital humano gerado nos diversos cursos pela indústria de petróleo é maior que 90%. Os impactos gerados pelo programa da ANP são bastante perceptíveis pela indústria, tanto na qualidade como no desempenho profissional, e podem ser facilmente constatados pelos concursos recentes da Petrobras e pela rápida absorção dos profissionais oriundos do PRH por diversas concessionárias, empresas de serviços e demais segmentos do setor.

Estimativas apontam que, do universo de 1.000 profissionais admitidos recentemente pela Petrobras no segmento de E&P, aproximadamente 70% são oriundos do PRH/ANP. Outros resultados podem ser identificados pelos prêmios na área de tecnologia e nos concursos realizados por diferentes entidades científicas, associações, tais como a SPE, onde um candidato brasileiro, bolsista do PRH/ANP, conseguiu obter o prêmio de melhor projeto pela primeira vez na categoria Mestrado.

A sinergia com os programas tradicionais de graduação e com o sistema de pós-graduação das universidades é outro aspecto positivo do PRH na atração de bons alunos, provocando um impacto na melhoria de qualidade dos diversos cursos. Esse fato é significativo, pois possibilita à indústria de petróleo dispor de uma oferta de profissionais de qualidade e com boa formação acadêmica, permitindo-a alcançar os elevados níveis de competitividade almejados por essa indústria.

Isso é de importância estratégica, pois levantamentos promovidos pela API (2004) sobre o mercado de trabalho junto às principais empresas integradas e de serviço mostram que, no cenário internacional, constata-se a necessidade de repor o capital humano em 38% para os próximos cinco anos na indústria de óleo e gás, sobretudo nas áreas de geociências e engenharia.

Entre as diversas medidas propostas pela API destacam-se o fortalecimento e a manutenção de programas de recursos humanos, semelhantes aos atualmente praticados no Brasil pela ANP, para continuar qualificando e atraindo jovens talentos para a indústria. Em 2003, o Ministério das Minas e Energia criou o Prominp com o objetivo de fortalecer a indústria nacional de bens e serviços em bases competitivas e sustentáveis. O Prominp vem desenvolvendo diversos programas a partir da identificação das demandas das atividades profissionais necessárias à implantação de empreendimentos de óleo e gás.

Um diagnóstico apurou a necessidade de cerca de 70 mil profissionais qualificados até 2007, distribuídos por 150 categorias profissionais, para atender os empreendimentos atualmente em execução. Para custear o treinamento desse contingente serão necessários R$ 218 milhões, oriundos parte da Petrobras, parte do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e parte do CTPetro.

Algumas projeções do Prominp apontam que, para 2010, essa demanda tende a duplicar. Isso pode ser verificado ao se consultar o Planejamento Estratégico da Petrobras, no qual estão previstos investimentos da ordem de US$ 87 bilhões até 2011, com uma média de investimentos anuais de US$ 17,4 bilhões no período. (Petrobras 2006). Desta maneira, pode-se perceber que a estrutura do modelo brasileiro, concebida após a abertura do mercado, busca conjugar os esforços da formação de recursos humanos com as diversas vertentes da pesquisa e da inovação tecnológica.

As iniciativas do Prominp e o PRH visam não somente o treinamento e a formação de mão-de-obra, mas também possibilitar uma participação e um ganho mais efetivo do setor de óleo e gás, envolvendo não apenas as empresas de petróleo, mas também a indústria nacional de bens e serviços, em bases competitivas e sustentáveis na implantação de projetos de óleo e gás natural.

Este tipo de modelo - conjugando a formação de recursos humanos e o desenvolvimento tecnológico - busca refletir a complexidade do aproveitamento dos diversos tipos de jazidas petrolíferas existentes no Brasil, bem como as características dos nossos empreendimentos existentes. Esses projetos exigem mão-de-obra qualificada nos diferentes níveis, bem como um bom nível de aprendizado tecnológico para fazer frente aos desafios exigidos pelo perfil atual da produção de petróleo e gás natural.

Além desses aspectos, deve-se mencionar os compromissos assumidos pelas concessionárias nas últimas licitações de blocos exploratórios com um percentual mínimo de aquisição de bens e serviços dos fornecedores nacionais. O aumento das compras locais é dos principais fatores indutores do desenvolvimento de longo prazo, bem como possui um impacto direto na geração de empregos diretos e indiretos na indústria.

Desafios e perspectivas A previsão da demanda de recursos humanos para o setor petróleo é uma tarefa complexa, pois envolve um número elevado de variáveis, que apresentam diversos níveis de correlações que acabam interferindo no mercado. Estimativas recentes de demanda têm sido divulgadas com freqüência nos meios de comunicação, indicando a necessidade da criação de dezenas de milhares de novos postos de trabalho para atender, a curto prazo, às necessidades da indústria. Vários são os fatores que nos levam a crer em um cenário de certo otimismo para o setor petróleo nos próximos anos.

Em andamento, há uma enorme carteira de projetos envolvendo as atividades de E&P, transporte marítimo, abastecimento e escoamento - que se traduz na construção e montagem de várias plataformas, construção de embarcações e petroleiros, obras em refinarias e construção de gasodutos e oleodutos -, atividades estas que, devido à sua natureza e complexidade, normalmente geram um elevado número de empregos.

Adicione-se a isto o aumento do conteúdo nacional imposto nas licitações do setor como um fator extremamente positivo na geração de novos postos de trabalho, principalmente no setor naval. Outro aspecto relevante diz respeito à grande quantidade de blocos licitados pela ANP que se encontram em atividade exploratória.

São aproximadamente 650, e, deste total, cerca de 250 estão localizados no mar. Ainda que a geração de novos projetos de desenvolvimento dependa do sucesso exploratório, o fator estatístico pesa a favor, pois mais de uma centena deles se localiza nas bacias de Santos e de Campos, tidas como altamente promissoras, e outro tanto em bacias como a do Recôncavo e Sergipe, tradicionais produtoras de petróleo. Outro fator relevante refere-se ao crescimento da demanda energética, que deverá continuar impactando os preços de petróleo nas próximas décadas.

Além disso, devemos incluir a revitalização de campos marginais, o esforço para a melhoria da recuperação dos campos maduros e a necessidade do desenvolvimento de tecnologias progressivamente mais sofisticadas para a produção em águas mais profundas, em poços de grande profundidade e em reservatórios complexos e de óleos pesados.

Sem dúvida, esses fatores continuarão provocando aumento da demanda de recursos humanos, associado aos projetos de inovação tecnológica, para que possamos continuar mantendo o suprimento e a auto-suficiência. Mas há também enormes desafios. A continuidade e ampliação dos programas de recursos humanos, a exemplo do PRH/ANP-MCT e Prominp-MME, é um aspecto fundamental na alimentação desse processo e ponto inquestionável para o seu sucesso. Esses programas são estratégicos para que a competitividade da indústria possa ser alcançada e sustentada.

Além disso, é necessário que se criem mecanismos que garantam a competitividade dos fornecedores nacionais de bens e serviços para torná-los futuros fornecedores da indústria do petróleo, não só no mercado nacional, mas também no exterior, e, desta forma, garantir a manutenção e criação de novos postos de trabalho. Obviamente, essas medidas de competitividade deverão estar associadas a um cenário macroeconômico mais favorável ao desenvolvimento industrial, o que envolve redução de juros, patamar mais adequado de taxas de câmbio e redução da carga tributária.

Referências bibliográficas API.2004. Workforce Survey Shows Turnover by 2014. American Petroleum Institute. http://www.api.org. Machado, G.V. 2002. Estimativa da Contribuição do Setor Petróleo ao Produto Interno Bruto do Brasil. ANP. Notas Técnicas, Rio de Janeiro. 14 p. Petrobras. A Visão Corporativa. Plano de Negócios 2007-2011. http://www.petrobras.com.br/. 2006 Prominp. Geração de Empregos. http://www.prominp.com.br/. 2006 Rueff, S.;Thomas, J. 2005. High-Tech Tools Improve Petroleum Industry Human Resource Management, In: 2005 SPE Annual Technical Conference and Exhibition, Texas, USA. 5 p. UKOOA. 2006. UKOOA Economic Report 2006. http://www.oilandgas.org.uk/issues/economic/index.htm

Saul B. Suslick é professor do Instituto de Geociências da Unicamp e diretor do Centro de Estudos de Petróleo (Cepetro/Unicamp)

Sergio Iatchuk é pesquisador-visitante do Programa de Recursos Humanos da ANP -PRH-15 e do Cepetro/Unicamp

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