Opinião

Toda franqueza será castigada?

A coluna de Jerson Kelman

Por Redação

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Estava com minha mulher na fila do check in de embarque para os EUA. O celular tocou: uma câmara subterrânea havia explodido em Copacabana. Ansiedade e angústia provocadas pela nítida lembrança do embaraço e da emoção causados pela explosão de outro transformador, há menos de um ano, no mesmo bairro, que causou sérias queimaduras num casal de turistas americanos.

Na época, estava há dois meses à frente da Light, ainda fazendo um diagnóstico da situação, e sentia o peso da responsabilidade de dirigir uma empresa que vivia um momento difícil por conta da deterioração da qualidade do fornecimento de energia elétrica, sobretudo na zona Sul do Rio. A explosão, seguida de forte comoção pelo sofrimento dos turistas, revelou brutalmente que a dimensão do desafio era muito maior do que eu havia suposto. Não se tratava apenas de melhorar a qualidade do serviço, mas também de assegurar a segurança dos transeuntes.

Trabalhamos duro e já em julho de 2010 iniciamos um programa de modernização das 4 mil câmaras subterrâneas (CTs), onde se localizam os transformadores. Não poupamos recursos na troca dos equipamentos que, ao longo dos anos, não haviam sido renovados. Estávamos satisfeitos com os resultados – um notório decréscimo em frequência e duração das interrupções –, e eu podia ir ao encontro de investidores nos EUA e proferir uma palestra em Harvard sobre a importância das UPPs para o ambiente de negócios no Rio. Foi quando meu celular tocou.

Cancelei os compromissos e fui direto ao local da explosão. Cena assustadora: o tampão da CT havia voado e caído sobre o teto de um táxi que passava pelo local. Achei que o taxista não poderia ter sobrevivido. Fui de imediato para o hospital e constatei o milagre: ele estava bem, com leves escoriações. Ele e outros quatro passantes tiveram alta no mesmo dia. Por prudência, a Light internou o taxista numa clínica particular, para observação. E, naturalmente, se prontificou a indenizar as vítimas, sem necessidade de nenhuma ação judicial.

No dia seguinte, durante entrevista coletiva na sede da Light, surgiu a inescapável pergunta: pode acontecer novamente? Disse que seria leviano responder de forma negativa. Até porque não existem sistemas elétricos 100% seguros em nenhum lugar do mundo. Em 2001, por exemplo, ocorreram 14 explosões no sistema subterrâneo de Washington D.C.

Um dos jornalistas quis detalhes sobre o programa de modernização. Expliquei que 1.170 CTs críticas para o sistema elétrico haviam sido selecionadas para instalação de sensoriamento remoto. Todas passam por manutenção regular e haviam sido inspecionadas de forma detalhada a fim de que fosse determinado o que deveria ser feito como etapa preliminar à instalação do monitoramento. Em 1.040 delas essas providências já haviam sido finalizadas, inclusive a de higienização. Restavam, portanto, 130 CTs. Aí veio a pergunta “casca de banana”: a que explodiu era uma dessas 130?

Na hora não me dei conta do efeito devastador da resposta “sim”. No raciocínio da jornalista e da maior parte da população, não haveria a menor dúvida que as demais 129 CTs também explodiriam. É uma lógica análoga à de achar que todos os que usam sandália de dedo são criminosos, já que a maior parte dos que estão nas prisões usam sandálias de dedo. Lógica que não reconhece que os bem calçados também cometem crimes. O que, no contexto dessa discussão, significa que os equipamentos bem mantidos também falham.

Nos dias seguintes, jornais, Ministério Público, Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, Procon, entre outros, exigiam que a Light identificasse os “bueiros-bomba”, na denominação criada por algum jornalista, que eu jamais utilizei. O jornalista Artur Xexéo, de O Globo, especialista em generalidades, pontificou: “o que o sr. Kelman está esperando para sinalizar que bueiros são esses?” e concluiu afirmando que “das duas uma, ou o sr. Kelman é irresponsável ou é incompetente”.

Minha vida de dirigente público foi pautada por incompreensões desse tipo. Agora, como dirigente de concessionária de serviço público, não é diferente. Como ensinei estatística durante muitos anos, adquiri a falsa percepção de que os conceitos probabilísticos podem ser entendidos por leigos, se devidamente explicados. Mas, na prática, não é assim. Na sequência de eventos que causam comoção pública, quem é transparente e diz o óbvio tende a ser visto como incompetente. A franqueza é confundida com fraqueza.
 

A coluna de Jerson Kelman é publicada a cada dois meses.

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