Opinião

Venda da Braskem “fatiada” seria melhor opção sob ótica de desenvolvimento econômico?

A Braskem é uma empresa global com unidades no Brasil, México, Estados Unidos e Alemanha. No Brasil, é a única empresa petroquímica com unidades de 1ª geração (chamados crackers)

Por Flávio Silva

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A Braskem é a maior empesa petroquímica do país, com um faturamento bruto de R$ 122,86 bilhões em 2021. Tem como principais acionistas o grupo Novonor (antiga Odebrecht) com 38,33% e Petrobras com 36,15%, com o restante distribuído entre minoritários. Esta empresa chegou a este patamar através de uma série de consolidações de outras empresas do setor. Resumidamente, ela consolidou outras empresas do segmento até conquistar o monopólio de produção de produtos petroquímicos de 1ª geração e de polietileno (PE) e polipropileno (PP) no país.

Dentre o que tem sido veiculado pela imprensa especializada, o que está sendo estudado ou debatido é a venda total da Braskem, ou seja, com todos os ativos operacionais juntos da forma que funcionam hoje. Sob ótica empresarial, isso garante a integração das suas operações, sinergias, assim como o monopólio de produção de petroquímicos básicos e das resinas plásticas PE e PP no país.

Em 2018, as negociações para venda da Braskem com a LyondellBasell avançaram até certo ponto, porém não evoluíram devido à alguns passivos com potencialidades astronômicas. Recentemente, surgiram rumores de que outras empresas estariam interessadas na Braskem, como a J&F e a Apollo Capital (fundos de investimento e sem operações diretas no setor). O que se noticiou foi interesse na compra das ações da empresa como um todo, tanto as da Novonor, quanto as da Petrobras.

O setor petroquímico

Este é um setor de relevância no Brasil e no mundo. Praticamente, todos os países desenvolvidos têm uma indústria química/petroquímica forte. Ele é a base para uma gama de produtos de bens e consumo, originários de polímeros e outros químicos.

O segmento é dividido em três “partes”: 1ª geração são as indústrias que utilizam os derivados do petróleo (nafta, líquidos de gás natural, etc.) para produzir os petroquímicos básicos; a 2ª geração, por sua vez, são as indústrias que utilizam os petroquímicos básicos para produzir os petroquímicos finais ou polímeros; já a 3ª geração, responsável pela transformação do plástico, utiliza os polímeros produzidos na 2ª geração para produzir bens de consumo, como sacolas plásticas, descartáveis, potes, peças de automóveis, entre outros. A Braskem é soberana na 1ª geração e na 2ª para as cadeias de PE e PP.

O ponto-chave, contudo, está na 3ª geração. Nesta existem mais de 10 mil empresas espalhadas pelo país, com alto grau de competição e que sofrem forte concorrência com importações de produtos transformados, principalmente, da Ásia. É um setor intensivo em mão-de-obra e que fica “espremido” entre grandes conglomerados que consomem seus produtos e a(s) grande(s) petroquímica que vendem os polímeros (no país, PE e PP só a Braskem).

A Braskem está para a petroquímica como a Petrobras está para o refino

Para “apimentar” a discussão, é interessante traçar um paralelo entre as características de operação da Braskem com a Petrobras. A Petrobras e suas operações de Refino são, constantemente, questionadas pela imprensa. Principalmente, em momentos como este onde se instala uma inflação mundial (graças à pandemia de Covid-19), agravada pela guerra na Ucrânia. Os questionamentos sobre a precificação dos combustíveis são recorrentes. Veremos que, como diz a famosa frase, “Qualquer semelhança é mera coincidência”.

Petrobras

Braskem

Pontos Semelhantes

Monopólio de fato na produção de combustíveis

Monopólio na produção de PE e PP

Precificação é feita baseada no custo de oportunidade de importar combustíveis

Precificação é feita com base na paridade de importação, que é o custo de oportunidade para quem quer comprar plástico

Aumentos do preço de petróleo pressionam aumentos de preço dos combustíveis

Aumentos do preço do petróleo geram aumentos de preço de nafta que pressionam aumento dos petroquímicos
Aumentos nos preços impactam toda a cadeia a jusante, transportes e energia

Aumentos impactam a cadeia a jusante, embalagens, peças, filmes plásticos prejudicando todo o setor de transformação

Com alto poder de mercado e praticamente todas as unidades operacionais, novo entrante no mercado é muito difícil

Com alto poder de mercado e praticamente todas as unidades operacionais, novo entrante no mercado é muito difícil

Pontos Discordantes

Muita exposição na mídia devido ao impacto político que gera

Baixa exposição na mídia

Refinarias instaladas com objetivos de abastecimento do país Unidades de Polimerização instaladas com foco de competição
Eventual venda das refinarias causaria menor impacto de competição, devido às localizações. Exceção seria se as do Sudeste forem todas vendas para players diferentes.

Eventual venda das unidades de polimerização causaria maior impacto de competição, principalmente, se as do Sudeste fossem vendidas separadamente.

 

Precificação no país

No tópico anterior, viu-se que a precificação dos petroquímicos de 2ª geração, os polímeros, é baseada no custo de oportunidade para os compradores de resina (3ª geração) - a opção é importar pelo Preço de Paridade de Importação (PPI).

Preço final = Preço da resina na origem (EUA ou Ásia a depender) + Frete internacional + Seguro + Custos de internalização (Imp. Importação, despachante, etc) + Frete interno até a fábrica.

Entendida a forma de precificação, é possível analisar outra questão que impacta no preço final de mercado vis a vis com o PPI, que são as condições de concorrência e balanço de mercado.

Em mercados com vários competidores é menor a propensão a existir um “ágio” sobre o PPI. Por outro lado, se este mercado estiver com maior capacidade de produção que demanda, a probabilidade de existir um “deságio” em relação ao PPI é grande. Em mercados com monopólio, mesmo com maior capacidade de produção, é possível que o monopolista controle sua produção, ajustando ao melhor binômio margem-volume que maximize suas margens. Na prática está diretamente ligado às condições de concorrência e balanço de mercado.

Exemplificando casos reais que ocorreram ao longo das últimas décadas no setor:

  1. Mercado de PE antes consolidação da Braskem – Demanda balanceada com alta competição entre os players -> Alta Competição (+6 empresas) | $ ligeiramente abaixo do PPI;
  2. Mercado de Poliestireno (não é da cadeia da Braskem) entre anos de 2007 a 2010, três players no mercado com capacidade balanceada -> Competição + incentivos fiscais | $ bem abaixo do PPI;
  3. Mercado de PET (não é da cadeia da Braskem) – Dois players no mercado após 2015 com o dobro da capacidade em relação à demanda -> Competição moderada + excesso de capacidade | $ bem abaixo do PPI;
  4. Mercado de PE após a consolidação final da Braskem – Um player, capacidade balanceada em relação à demanda -> Ausência de competição + capacidade balanceada | $ bem superior ao PPI;

Fica claro o poder de monopólio que influencia no nível de precificação. Se houvesse um outro player local (PE e PP), é provável que o volume de importação seria menor com maior disputa por mercado e menor preço médio. Geraria maior competitividade da 3ª geração frente às importações de produtos acabados e melhoraria as atividades industriais e os níveis de emprego do setor.

Cadê os investimentos?

É notório que o país carece de investimentos em diversas áreas. No setor de petroquímica ocorre a mesma situação. Para a cadeia de PE e PP é natural entender que dificilmente entrará alguém e que cada aumento de demanda será atendido por novos investimentos da própria Braskem. Mas e as outras cadeias?

O país, por si só, gera dificuldades para atrair investimentos. Além disso, empresas que queiram se instalar aqui e precisem de alguma matéria-prima oriunda dos polos petroquímicos terá que negociar com a Braskem. Esta decidirá, segundo seus critérios de rentabilidade se disponibilizará ou não o insumo. Ou seja, caso não seja vantajoso para a Braskem, dificilmente, sairá um novo projeto petroquímico, mesmo que em um outro segmento que não os que a Braskem atua. Este fato explica a escassez de novos projetos no país, prejudicando o desenvolvimento, competição e economia nacional.

Qual modelo de venda poderia ser considerado?

Dentre os modelos que têm sido aventados, na prática nada mudará sobre questões estruturais. Independente do comprador, continuará com um monopólio privado tanto para os polos petroquímicos e seus produtos básicos, como para as resinas PE e PP.

Porém, se considerarmos uma venda “fatiada”, ou seja, a Braskem fosse dividida isso alteraria, estruturalmente, várias questões relevantes abordadas neste artigo. Supondo, no limite, separá-la em quatro grandes empresas, todas com 1ª e 2ª geração. Assim, teríamos quatro empresas competindo neste mercado. É muito provável que, haja aumento de investimentos (inicialmente desengargalamentos, e depois até um novo cracker), redução no preço, redução no volume importado (permanecendo apenas grades que não são produzidos aqui), aumento da competitividade da terceira geração frente importações de bens de consumo, melhora dos níveis econômicos desta indústria e mais empregos.

Por outro lado, separá-la em várias empresas geraria um trabalho e dificuldade adicional (necessidade de se realizar carve out das unidades) segregando contratos que são globais para mais de uma unidade, impactaria algumas operações e sinergias que hoje são aproveitadas, mas facilitaria a venda sob aspecto de redução no valor do ticket de compra, atraindo mais interessados.

Conclusão

Fica claro que não é uma definição simples e existem prós e contras, colocam-se alguns prós e contras, os quais são:

Prós

  • Quebras do monopólio e redução de preços;
  • Melhora na competitividade da 3ª geração;
  • Redução no ticket de vendas das empresas com maior atração de compradores;
  • Possibilidade de maior número de novos investimentos no setor;
  • Redução das importações de resinas plásticas;
  • Fortalecimento da cadeia petroquímica;
  • Aumento do número de empregos diretos no setor;

Contras

  • Redução de algumas sinergias de negócio;
  • Processo mais trabalhoso por conta da necessidade de elaboração de um carve out nas empresas;
  • Necessidade de montagem de um modelo que evite desinteresse por alguma unidade em detrimento de outras, eliminando arbitragem de preços nos ativos;

Este modelo parece trazer uma dinâmica para o setor petroquímico mais saudável sob o ponto de vista geral do mercado e da 3ª geração. Por outro lado, traz possíveis perdas de integração e valor para a empresa como ela é hoje. Claro que o modelo de venda é uma decisão baseada no retorno econômico, mercado possível no momento da venda e a decisão cabe aos acionistas da empresa. Esta discussão busca motivar o debate sobre o tema sob a ótica de desenvolvimento da cadeia petroquímica nacional.

 

 

Flávio Silva é diretor e consultor sênior na OHXIDE Consultoria

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